domingo, agosto 31, 2014

Voz 175 - A culpa é mesmo das estrelas



Há muito tempo não venho aqui escrever. Mas hoje os dedinhos foram coçando e pedindo. E aqui estou eu.

Relutei em ver  porque sabia que ía chorar. Mas hoje assisti finalmente ao filme "A Culpa é das Estrelas". E chorei. Pela história de Hazel e Gus, e pela minha história. Mas senti que alguém entendeu um pouco o que eu sinto.

Não sei quem escreveu o livro, ou o filme, ou se o filme foi baseado no livro ou o livro no filme, mas não importa. Não estou aqui para fazer uma crítica sobre o filme, mas para desabafar. Jogar algumas palavras soltas na página. 

Em 2005 perdi minha mãe para o câncer. Não adianta o que qualquer pessoa diga, é uma ferida que nunca se cura. E não acredito que dizer para a pessoa ser forte, falar que chorar prejudica a evolução espiritual do ser que já se foi ou coisas do gênero, ajude. Não ajuda. Absolutamente nada ajuda. Primeiro porque a dor tem que ser sentida, e segundo, porque ela nunca passa. 

Mas voltemos ao filme. Quando a dor e a revolta chegam muito forte, procuro pensar que poderia ser pior. Que poderia ter sido eu a ter câncer. Que a dor poderia ser dela. E que ela poderia ter tido que seguir a vida sem mim. Ponto em que me identifiquei com Hazel Grace. 

É difícil para quem fica, com certeza. Mas eu não consigo mensurar o medo que minha mãe sentia. Todos disseram que eu fui muito forte por ter cuidado dela. Mas como eu poderia ser fraca, se ela, que estava ali na cama, se mostrava tão forte? Meu medo não era perder minha mãe, porque isso já havia acontecido a partir do momento em que tive que deixar a posição de filha para passar à posição de mãe da minha mãe. Meus medos eram ser esquecida por ela (o medo do esquecimento de Augustus) e de que ela sentisse medo ou dor. 

Naquela época tinha muito medo de que ela tivesse medo da morte, medo do desconhecido, e medo de como ficaríamos sem ela. Que ela tivesse medo de que nós não conseguíssemos sobreviver sem ela. Nos momentos em que eu fraquejava e queria passar por tudo aquilo em seu lugar, tudo que vinha em minha mente era que se eu a amava tanto, jamais poderia permitir que ela passasse pela experiência de ter uma filha com câncer. Por minha mãe eu matava um leão por dia. Por minha mãe-filha, eu mataria dez.

Me lembro do dia no hospital em que pedi para ter mais um tempo com ela. E Deus, se ele existir, me concedeu mais sete meses... esse foi o meu pequeno infinito de sete meses... um pequeno infinito em que tive a oportunidade de ser a mãe-filha do ser mais iluminado que já passou nessa Terra. Do ser que mesmo em sua dor, e momentos de lucidez, deixava o papel de mãe falar mais alto, e conseguia fazer um cafuné.

E por incrível que pareça, sinto falta daquela época. Sinto falta da minha mãe e da minha filha... sinto falta de preparar sua comida, de trocar suas fraldas, de acordar na madrugada pra dar seu remédio e preparar seu leitinho, de ouvir sua voz cantando as músicas que ela cantava, de assistir à novela com ela, ou ouvir Dorival Caymmi... 

O tempo que passei com ela foi muito curto. Foram apenas 23 anos... um pequeno infinito de 23 anos... Um pequeno infinito que gostaria de prolongar por muitos outros, mas que infelizmente não posso. A vida infelizmente não é justa, e nosso erro é acreditar que como dizem as crianças de Gonzaguinha, ela é bonita. Pode parecer extremamente pessimista o que estou dizendo, mas a realidade é que mais cedo ou mais tarde, teremos que passar por separações dos seres que amamos. Isso torna a vida feia e muito chata... E não saber se iremos reencontrar nossos entes queridos, a torna extremamente injusta. A ironia é que nos períodos em que estamos juntos, que mais parecem a distância do zero ao um, a vida é sim, muito bonita. E é uma pena que a vida não nos permita ficar presos nesses pequenos infinitos felizes.

A culpa é sim das estrelas. Elas nos fizeram acreditar nos infinitos sem fim.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

LIBEEEEEEERTE-SE